terça-feira, 30 de maio de 2017

Febre de bola: futebol em livro de Nick Hornby

“Por favor, seja tolerante com aqueles que descrevem um momento esportivo como o melhor da sua vida. Não é por falta de imaginação. Não significa que tivemos vidas tristes e estéreis. A vida real é apenas mais pálida, mais maçante e contém menos potencial para o delírio inesperado”.

A frase acima é do escritor inglês Nick Hornby, autor de livros como Alta Fidelidade e Um Grande Garoto. O primeiro livro de Hornby, publicado em 1992, é dedicado ao esporte mais popular do planeta. Mas não da perspectiva da bola: o escritor reconta três décadas da vida dele como torcedor do Arsenal.

Eu li Febre de Boa em duas ocasiões. A primeira foi em 2014, logo depois da Copa do Mundo e quando todo aquele clima que só mundiais sabem fazer ainda pairava no ar. Por coincidência eu fui passar uns meses em Buenos Aires logo após a Copa e desembarquei em terras portenhas horas depois da final, quando argentinos bêbados ainda choravam pelas ruas do país. O nosso choro, pelo menos, tinha acabado nas semis.

Li o livro novamente no mês passado, durante uma longa viagem de volta para casa. A verdade é que nenhuma obra do Nick Hornby mexe tanto comigo, provavelmente porque poucas coisas são tão importantes na minha vida como o futebol. Se você se identifica, bem, pode reservar um lugar na estante.

Embora seja focado na relação do autor com o Arsenal, Febre de Bola não é apenas sobre o time inglês. Também fala da seleção inglesa, do Brasil na Copa de 70, de times de divisões inferiores do campeonato inglês e da Tragédia de Hillsborough, um desastre que deixou 96 mortos, num jogo entre Liverpool e Nottingham, em 1989. Os torcedores morreram pisoteados e esmagados, tudo por conta da superlotação, das péssimas condições do estádio e de uma desastrada ação policial.

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Mas muito além de partidas, acontecimentos ou tragédias, Febre de Bola é a história de um torcedor obsessivo. Não do tipo que dá um sorriso quando vê na internet que o time dele ganhou no dia anterior, mas aquela pessoa que vai a todo jogo, custe o que custar, e muitas vezes recusa convites de casamentos, aniversários e outros eventos sociais porque tem um compromisso nas arquibancadas. “De modo que já houve convites de casamento que tive de recusar, embora sempre tomando o cuidado de providenciar uma desculpa socialmente aceitável que envolvesse problemas familiares ou dificuldades no trabalho; pois ‘Jogo em casa contra o Sheffield United’ é considerada uma explicação inadequada em situações como essa”, escreveu Hornby.

A forma como o autor escolheu o Arsenal também é interessante, até porque não há uma escolha. E se há, certamente é o time que escolhe o torcedor, não o contrário. Como ele lembra, simplesmente somos apresentados a um time – e aí a paixão pode acontecer ou não. A partir desse momento, quando nosso time “é rebaixado para a segunda divisão, para a terceira, vende os melhores jogadores e compra jogadores que você sabe que não podem jogar, vamos para casa, ficamos agoniados por uma quinzena e depois voltamos para sofrer tudo isso de novo mais uma vez”.

Para ele, ir ao estádio acompanhar o Arsenal não é um divertimento. Muito pelo contrário: ele gosta de ir aos jogos sozinho e usa o momento para sofrer. “Acima de tudo, precisava de um lugar onde minha infelicidade pudesse florescer, onde eu pudesse parar e ficar remoendo as coisas; eu carregava um fardo de tristeza, e quando ia ver meu time jogar podia desembrulhá-lo e arejá-lo um pouco”.

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Highbury, antigo estádio do Arsenal que foi demolido em 2006 

Outra coisa interessante é como o autor descobre a paixão pelo futebol. Após o divórcio dos pais, algo incomum na década de 60, Hornby passa a conviver menos com o pai, que logo forma uma nova família e vai morar na França. Na tentativa de se aproximar dos filhos, o pai tenta levar as crianças nos mais diferentes passeios – de zoológicos a parques. Mas a comunicação só funciona, pelo menos com Hornby, quando seu pai resolve levá-lo a um jogo do Arsenal, quando o menino tinha 11 anos.

A partir dali não teve mais volta, e logo Hornby passou a exigir que o pai o levasse sempre que possível – mesmo acumulando um grande estoque de derrotas e frustrações esportivas. Quando seu pai se mudou de país e já adolescente, o escritor passou a ir a campo sozinho, inclusive em jogos fora.

Em Febre de Bola, Nick Hornby mostra como a trajetória do Arsenal se confunde com a sua própria. O autor, que admite sua obsessão, chega a dizer que em alguns momentos achou que sua vida imitava a fase do Arsenal nos gramados, ou o contrário. Quando o time ia bem, a vida dele andava. Já quando as coisas não eram boas em campo, bem, aí a fase era ruim – o problema é que o Arsenal teve muito mais momentos ruins do que gloriosos naquele período.

Hornby ainda fala de futebol amador (“algumas das pessoas que frequentam os jogos são pavorosamente loucas, talvez levadas a isso pela qualidade do futebol a que vêm assistindo há anos”) e das transmissões de partidas pelo rádio, para ele reduzido ao mínimo denominador comum (“a única coisa que sobra é medo puro”). Com a auto-ironia e o humor típico de seus outros trabalhos, Nick Hornby ajuda a explicar por que o futebol tem um impacto tão grande na vida dos torcedores. Sei lá você, mas eu me identifiquei. .

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